No vagão da saudade eu tenho ido
Ver a casa onde antes nasci nela
Uma lata de flores na janela
A parede de taipa, o chão varrido
Milho mole esperando ser moído
Numa máquina do veio enferrujado
Que apesar da preguiça e do enfado
Mãe botava de pouco e eu moía
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.
Vou pra ver nessa casa que foi minha
Minha rede já pença duma banda
O batente na porta da varanda
Um bueiro de lata na cozinha
Mãe prendendo os dois pés duma galinha
Num cordão de algodão descaroçado
Um espeto cheirando a milho assado
E um cuscuz fumaçando na bacia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.
Eu não posso esquecer que o rouxinol
Dessa casa também foi habitante
Mãe cortando pedaço de bramante
Pra colocar o remendo no lençol
Pai voltando da roça ao pôr-do-sol
Cochilando com o peso do enfado
Um pé sem chinelo, outro calçado
Uma mão ocupada, outra vazia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.
Lembro a boca redonda da cumbuca
Que mamãe tirou sal pro alimento
A vassoura do rabo dum jumento
Espantando um enxame de mutuca
Um cancão desarmando uma arapuca
Um canário cantando engaiolado
Um cachorro latindo acocorado
Sem cobrar um tostão pra ser vigia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.
Toda noite eu me lembro de lembrar
De um pião enrolado até o meio
Mãe botando carvão num ninho cheio
Pra ninhada da franga não gorar
Uma gata lambendo um alguidá
Com o cabelo da testa penteado
Depois subia pra cima do telhado
Na certeza que o gato também ia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.

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