Desta feita, no Distrito da Capela de Nossa Senhora das Dores,
termo da Lagoa do Monteiro, o senhor José Domingos da Costa Agra,
era um grande proprietário de terras e escravos. No dia 19 de maio de
1936, o Juiz manda fazer exame de corpo de delito no corpo de Manoel
Mendes da Silva, que teria sido assassinado de forma misteriosa com
um tiro de espingarda numa estrada que ligava aquele lugar de Alagoa
do Monteiro ao lugar do Zabelê.
O Juiz inqueriu todas as testemunhas do presente corpo de delito, sendo a primeira, Francisco Felix da Silva que disse ter visto José
Mendes da Silva morto com dezesseis caroços de munição de chumbo
nas costelas da parte esquerda, havendo o tiro saído de uma arma de
nome lazarina. E afirmou ainda que, além do tiro, o assassino havia
dado mais algumas pancadas na cabeça da vítima com a própria arma
do crime, causando dois ferimentos por trás da cabeça e três na face, furando o crânio da vítima. A testemunha disse mais, que achara no lugar
onde estava o morto um pedaço de chita, que era da mesma qualidade
da que estava na espingarda do matador, vez que tinha com o dito pano
carregado a espingarda, mas não disse nem falou quem havia sido o
autor do disparo que ocasionou o crime. Outra testemunha acrescentou
que o mesmo autor do assassinato havia deixado no local um pedaço de
pano de chita da mesma qualidade que se achava na arma do matador.
21 Cf. ABREU, 2011, op. cit., p. ??.
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Figura 28 – Armas e espingardas muito apreciadas e bastante perigosas.
Fonte: Museu do Homem do Cariri, no Sítio do Carneiro, Livramento-PB.
A primeira testemunha a depor, na segunda convocação, foi
Antônio Almeida Brás, morador no Zabelê deste distrito, que afirmou
não ser parente do morto nem do matador e que não tinha inimizade
ou particularidade com qualquer um deles; afirmou ser notório que a
vítima foi morta por um tiro e de cacetadas, no lugar do rio Santana,
deste Distrito, e quem o matara foi um escravo de nome Manoel, pertencente ao Major Domingos, que no tiro empregara dezesseis caroços
de chumbo na costela da vítima e cinco cacetadas, duas na cabeça pela
parte de trás, chegando a perfurar o casco, e três na face com pancadas
profundas, fazendo grande estrago.
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Damásio Rodrigues Limeira, pardo, casado, morador neste
termo distrito, de idade 33 anos e que vivia de plantar, afirmou que
conhecia o morto e o matador, mas que não tinha qualquer relação com
eles; disse ter visto a José Mendes da Silva morto com o dito tiro e afirmou as mesmas características já testemunhadas: que o autor do crime
fora um escravo do Major Domingos de nome Manoel. Assim também
testemunhou o pardo Francisco Antônio da Costa, morador no Zabelê,
deste distrito, que vivia de plantar e que soube, por ouvir dizer, que
fora o cativo do Major Domingos o culpado do delito, que a espingarda havia sido carregada com a bucha feita com um pedaço de pano de
chita22 e que deste mesmo pano estava um pedaço no corpo e outro na
espingarda do cativo.
Martinho José da Costa, pardo, casado, morador no Zabelê
deste distrito, vivia de plantar e tinha 20 anos de idade, sendo perguntado pelo conteúdo no auto de devassa e corpo de delito, disse saber, por
ouvir dizer, que o crime tinha acontecido no dia dezenove de março,
contando a mesma história dos outros e que o crime havia acontecido
no rio de Santana e outras testemunhas seguiram, dando os mesmos
depoimentos.
Logo após concluir a parte dos depoimentos das testemunhas,
o Juiz decretou a prisão do cabra Manoel, um escravo fábrica do Major
22 No sertão do Cariri, o homem do campo tem muita experiência em armadilhas e
tocaias e, também, em manusear armas de fogo de pequeno calibre, utilizando-se
de qualquer coisa para fazer a bucha com o intuito de separar a pólvora do chumbo, seja capim, pequenos pedaços de pano, bucha de uso doméstico, cordas, etc.
Para carregar uma espingarda, coloca-se primeiro a pólvora, forrando-a com a
dita bucha para separá-la do chumbo, em seguida, acrescenta-se o chumbo a gos- to do atirador, podendo variar de 20 a 50 ou mais caroços, e outra bucha, batendo
até o tiro ficar compacto. Depois, arma-se o gatilho e bota a espoleta, baixando
o mesmo de forma cuidadosa. Pronto, para disparar é só armar o gatilho e puxar
com o dedo que o tiro estremece.
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Domingos José da Costa Agra, morador na Laje do Canhoto, província de Alagoa,23 na Fazenda Santana deste distrito, e que o escrivão o
lançasse no rol dos culpados e passasse as ordens necessárias para o
mesmo ser preso, com sequestro de bens para pagamento das custas
do dito processo, na povoação da Capela, daquele lugar, no dia 21 de
março de 1836.
Aos dezessete de maio de 1836, na Villa Real de São João, em
casa de cessão dos jurados, se achava presente o Juiz de direito Antônio
Joaquim de Albuquerque Mello, o escrivão e o promotor, sendo então
aberta a cessão que contava com a presença de quarenta e nove jurados,
tendo sido escolhido vinte e três para fazerem parte naquela cessão.
Dessa forma, o acusado foi incluso no Artigo 25324 do Código
de Processo Criminal, e sendo por eles acusados recebido, prometeram
cumprir fielmente, e, por não aparecer a parte acusadora, mandou o
mesmo Juiz que o promotor fizesse a acusação na forma da Lei, sendo o
advogado Bernardo Eugênio Peixoto confirmado para a defesa do dito
réu.
É possível que este senhor, José Domingos da Costa Agra,
dono do cativo criminoso, fosse parente da Família Agra em Campina Grande, pois estes senhores tinham terras por lugares variados e os
23 O cativo Manoel era uma fábrica, ou seja, tinha uma profissão definida, mas não
foi possível saber qual, provavelmente poderia ter sido um marceneiro, ferreiro
ou artesão. O fato é que o Juiz mandou sequestrar alguns bens do cativo para
ressarcir as custas do processo na povoação daquela capela. Este foi o único caso
encontrado nesta pesquisa, na qual encontramos um cativo com pecúlios, mas
não foi possível sabermos o que realmente ele tinha, mas, pela maneira como o
Juiz faz a petição do sequestro dos seus bens, não deveria ser tão pouco já que o
mesmo exercia uma função.
24 No Art. 253 do Código Criminal consta que a acusação por adultério deverá ser
intentada conjuntamente contra a mulher e o homem com quem ela tiver come- tido crime, se for vivo, e um não poderá ser condenado sem o outro (TINOCO,
2003, p. 449).
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mais ricos desta família estavam centrados em Campina Grande, sendo
donos de fortunas, naquela região da Borborema, segundo Lima (2009).
Sobre a criminalidade no seio da escravidão, no período de
cem anos pesquisado pelo mesmo autor, este percebeu um índice baixo
dos crimes envolvendo senhores e escravos. O mesmo autor afirma em
sua pesquisa que “detectamos um total de 59 ocorrência de delitos das
mais diversas naturezas, onde foram envolvidos um total de 79 escravos. Sendo que 30 apareceram na condição de vítimas e 49 foram acusados como réus.” (LIMA, 2009). O autor acredita ser índices baixos
para um século inteiro, marcados por várias transformações e conflitos
sociais.
No interrogatório feito ao réu Manoel sobre o crime do libelo,
aos vinte e um de maio de 1836, na Villa Real de São João do Cariri,
o mesmo respondeu que: “seu nome era Manoel escravo fábrica do senhor Domingos da Costa Agra e morava na Fazenda Santa Anna deste
termo e que conhecia a José Mendes da Silva o morto por ser morador
no mesmo lugar”. Em seguida, o réu foi questionado se fora ele o autor
da morte cometida contra José Mendes da Silva, a que o mesmo respondeu que:
Não fora ele o autor do crime e sim, que estava vindo ele, réu, do
lugar do Zabelê, e vindo também o falecido, ele réu mais adiante
e a vítima mais atrás quando chegaram ao rio, o dito falecido
mandou o réu tirar um ramo de folhas que estava no caminho e
quando o réu estava tirando o ramo ouviu o tiro que deram no
dito falecido o qual gritou para ele o acusado que corresse mas o
réu socorreu o mesmo por alguns passes quando o mesmo não
aguentou mais mandou que o cativo fosse chamar socorro para
ajuda-lo, que fosse chamar a sua mulher mas ao chegar na sua
casa não a encontrou pois a mesma estava numa casa vizinha e
vendo a mulher e o vizinho Manoel Fernandes e mais Francisco
Fernandes ao retornarem com o dito réu o encontraram já morto
com umas cacetadas além do tiro, cujas cacetadas afirmou o réu
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que não os vira porém, vira que parecia ser de cacete e que ele
réu, não tinha nenhuma intriga com a vítima e sim, sabia que
estava preso por causa desta morte e que ele réu nesta ocasião
levava uma espingarda e que a mesma estava inflada desde o dia
antecedente ao crime. Ou seja, ele o réu não havia atirado com
ela desde o dia anterior.
Pelas afirmações e estratégias do réu, o crime havia sido praticado por uma terceira pessoa, que estava escondida, na tocaia, e que ele
havia se abaixado para retirar o ramo do caminho e não viu quem deu
o tiro no seu parceiro; em seguida, o mesmo réu caminha com o amigo
já ferido por alguns passos e corre para pedir socorro, e ao voltar com a
mulher da vítima o encontra morto e com marcas de algumas pauladas
na cabeça.
Visto a decisão do Juiz, o réu foi condenado a pena de galés
perpétuas, ao grau máximo da pena imposta aos que infringirem o Art.
193 do Código Criminal,25 e para cumprir a sentença, o réu foi remetido à prisão, na Cadeia da capital da Província, ficando à disposição do
Governo, conforme o Art. 44 do mesmo Código,26 e ainda ficaram por
conta do réu os custos das despesas feitas com os jurados, aos 21 de
Maio de 1836.
O que nos chamou a atenção foi a condenação dura a que sofreu
o réu. Teria sido tão cruel assim este crime a ponto dele ser condenado e
transferido para a capital, tendo que pagar as despesas do processo e da
viagem? Ficamos imaginando como este julgamento foi conduzido e se
o cativo teve direito de se defender. Parece-nos que o seu depoimento
não foi suficiente para sua defesa, mas pelo menos ele não foi assassinado diferentemente do que aconteceu com o cativo Pedro.