terça-feira, 4 de abril de 2017
O sertão depois que chove (Por EDUARDO VIANA)
Um gogo dentro da terra
Se a enxada lhe remove,
Se for cortado ele sangra,
Sendo isca, ele se move.
Sertanejo sabe disto
E pode ver tudo isto
No sertão depois que chove.
Imbuá se locomove
Se for tocado, se enrola.
Quanto mais se toca nele
Mas o desgranido embola,
Evitando o aguaceiro
Só gosta de tabuleiro
Onde anda e não se atola.
A patativa de gola
Canta num pé de jurema
Se balançando num galho
Com uma beleza extrema,
Olhando pro alagado
Num canto melodiado
Como se fosse um poema.
Piaba faz piracema
Nadando de rio a cima.
No sentido da nascente,
Pois gosta daquele clima.
Nadando com elegância
Por mais que seja à distância
Mas ela não desanima.
Uma abelha se aproxima
De onde tem um barreiro
E menos dum pingo d’água
Carrega para o vespeiro.
Sem precisar de escolta,
Faz o caminho de volta
E não erra seu roteiro.
No galho dum imbuzeiro
Uma coruja enfadada
Dorme de dia, por que
Passou a noite acordada.
Faz da forquilha degrau
E por ser da cor do pau
Sente-se ali camuflada.
Uma vaca desleitada
No curral sai caminhando,
Depois de esconder o leite
Que alguém tava tirando.
Sai procurando um recanto,
Fica parada num canto
E o bezerro apojando.
Um lavrador escutando
Um barulho de goteira,
Bota um caldeirão debaixo
Para aparar a pingueira.
Dar um cochilo, o colono
Depois embala no sono
Da pancada da biqueira.
Um preá sai na carreira
Atravessando o caminho.
A cabra lambe um cabrito
Para lhe fazer carinho.
Anum pousa numa estaca,
E numa ossada de vaca
Um canário faz o ninho.
No campo um salta caminho
Pula bicando um fatisco,
Procurando o que comer
Por dentro de rama e cisco.
Enquanto um peru de roda
No terreiro se acomoda,
Abre a asa e faz um risco.
Um rato tira um belisco
De queijo dentro dum prato
A dona da casa ver
E faz um espalhafato,
Com aversão e entojo,
Asco, repulsão e nojo,
Sacode o resto no mato.
Uma raposa ou um gato
Se aconchegam do oitão
Para ver se no poleiro
Podem pegar um capão.
Mas um cachorro se acorda,
Com aquilo não concorda
E interrompe a ação.
Quando chove no sertão
A temperatura esfria,
A chuva faz uma poça
Na cadeira do vigia
Que anda de madrugada
Com a matéria gelada
Torcendo que chegue o dia.
Parece uma rodovia
O carreiro da formiga,
Que caminha para o alto
Aonde chega e se abriga.
Com ela não tem canseira
E corta uma roça inteira
Para encher a barriga.
Um boi de carro mastiga
Remoendo uma ração.
Um bode velho bodeja,
O outro quebra o cambão
Feito dum cambito fraco
E passa por um buraco
Pra comer a plantação.
No estrondo dum trovão
Cachorro passa por drama.
Solta um ganido de medo,
Dessa forma ele reclama
E corre feito uma flecha
Se encontrar uma brecha
Vai pra debaixo da cama.
A neve faz uma escama,
A friagem nos castiga.
O sertanejo animado
Quase nem sente fadiga.
O trovão pai da coalhada
Anima na invernada
Porém um raio periga.
A gente reza e faz figa
Pra se livrar de corisco,
Na hora que relampeia
Todo mundo corre risco.
Aqui revelo um segredo:
Digo que não tenho medo
Porém fico meio arisco.
A chuva espalha o cisco,
Depois vem a calmaria.
A antena parabólica
Que saiu da sintonia
Precisa ser consertada
Porque foi desajustada
Na força da ventania.
Pode faltar energia
Mas o povo se anima.
Uma árvore tomba e cai,
Fica de raiz pra cima.
Alguém dela faz estaca,
Encara sem ter ressaca,
Trabalha e não desanima.
Com a mudança do clima
Fica bonita a ribeira.
A paisagem fica verde,
A folhagem nova cheira.
Mosquito faz revoada
Depois de fazer morada
Na folha da catingueira.
Passa uma caranguejeira
Andando no seu estilo.
O sertanejo se deita
Pensando em sono tranquilo,
Seja morador ou dono
Termina perdendo o sono
Com o “cri-cri” de um grilo.
Depois que dar um cochilo
Ele acorda e se arruma,
Na vereda bate orvalho
Chega a perna se acostuma.
Na força da água nova
A sapa vem e desova
Como se fosse uma espuma.
Sem experiência alguma
Um besouro floreano
Numa flor de jerimum
Que murchou e lhe fez dano.
Sendo ele um indefeso,
Termina ficando preso
E entrando pelo “cano”.
Perto do sopé serrano
Onde a água fez vasculho,
No remonte dum tapume
Entre mato e pedregulho.
Tem que prestar atenção
Pode ter escorpião
Morando naquele entulho.
A gente não ver gorgulho
Nesse tempo no sertão.
Nasce mofo e cogumelo
Onde não tem plantação.
O milho amadurecendo
E no roçado nascendo
Canivete de feijão.
A cima do boqueirão
Alguém arma uma arapuca.
Um boi pasta no cercado,
Caminha e não se machuca.
Embora ninguém aplauda,
Pastando balança a cauda
Espantando uma mutuca.
Um meninote batuca
Somente para espantar
Os passarinhos que fazem
Da lavoura o seu jantar.
Menino bate na lata,
Se esforça, mas não empata
Do passarinho lanchar.
Fica o pássaro a tocaiar
Do menino um ato falho.
O menino vai brincar,
O pássaro pula do galho.
Voa feito um ioiô
E ainda faz cocô
Em cima do espantalho.
Andando por um atalho
Caminha um gato mourisco,
Não chega perto da casa
Por ouvir o som dum disco.
Com sagacidade imensa,
Eu acho que ele pensa:
Por ali eu não arrisco.
Logo que passa um chuvisco
Desses que faz poça rasa
Um agricultor passando
No caminho atrás de casa,
Por força da natureza
Ele admira a beleza
Dum cupim criando asa.
Às vezes até se atrasa,
Porém com perseverança.
Pois o sertão tem beleza
Que a vista não alcança,
Com gestos inspiradores
Encantado com as cores
Do arco da aliança.
Pela vereda ele avança,
Se aprochega do roçado.
Mas tarde dar uma cheia,
Ele caminha apressado.
Sem saber quem é maior,
Mistura chuva e suor
E chega em casa molhado.
E um menino embirrado
Que gosta de travessura
Na ramagem dum angico,
Brinca mas faz cara dura.
Sem gostar daquele jogo,
Uma lagarta de fogo
Lhe dar uma queimadura.
Com um quicé na cintura
Que nem deu tempo amolar,
No frio da manhãzinha
Alguém sai pra trabalhar.
Pra satisfazer a alma,
Vai comer fruta de palma
Antes do sol esquentar.
Uma galinha a ciscar
As minhocas no monturo,
Fica numa perna só
E deixa o corpo seguro.
Comendo coisas do mato,
Mucuim e carrapato,
Gogoia e capim maduro.
Um cabrito prematuro
Que foi da cabra enjeitado.
Mama num frasco de leite
E assim ele é criado.
Pelo terreiro vivendo
E depois que vai crescendo
Ele mama ajoelhado.
Um menino sai danado
Correndo pela fartura,
Segue de cara pra cima
Porque está a procura
De melhorar sua janta,
Por cima de pedra e planta
Em busca de tanajura.
Ele pisa e não se fura
E nem leva um arranhão.
Vai se livrando de toco,
Garrancho e escorregão.
Mas às vezes se lastima
Por botar o pé em cima
Da bunda dum formigão.
A água num grotilhão
Desce em sua corredeira
Depois duma chuva grossa
Enchendo de beira a beira.
Zoando dentro da gruta
Que de longe se escuta
O troar da cachoeira.
A água na cabeceira
Desce fazendo uma tromba,
Zoando por entre pedras
Chega o barulho ribomba.
Açude faz vertedouro,
Escoa no sangradouro
E se for fraco, ele arromba.
Cerca velha pende e tomba
Com a força da enchente.
A água alaga a represa,
Bota a perder a semente.
Mas tendo água abundante
Vai se plantar na vazante
Aproveitando a vertente.
Fica assim o ambiente
Quando chove no sertão.
Numa flor de muçambê
Pousa um cavalo do cão
Que segue sem rumo certo.
Se a gente chegar perto
Voa feito um avião.
Se oculta um camaleão
Ficando da cor do mato,
Que na seca era cinzento
Mas conhece o tempo exato.
Pois quando bate o inverno
Logo ele muda de terno
Fica verde imediato.
Corre a água no regato
De maneira duradoura.
Um papa-lagarta canta
Mas a cauã não agoura.
Um repentista verseja,
E sertanejo festeja
A chegada da lavoura.
Churrasco pinga salmoura,
Os compadres se abraçam.
A fogueira queima a lenha,
Namorados se enlaçam,
Em meio a toda alegria
Duma maneira sadia
Borboletas esvoaçam.
Que todos se satisfaçam
E o bem se consolide.
Haja remissão das rixas,
O ódio se delapide.
Em meio à satisfação
Lembrem lá do seu irmão,
Faça a festa e me convide.
Que ninguém se intimide
Nem tenha perturbação.
Zele pelo que é seu,
Colha o milho e o feijão.
Peça pra Deus ajudar
Pra todo ano lucrar
E ter chuva no sertão.
FIM. Eduardo Viana.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário